Ela vai ouvir essas palavras umas mil vezes na vida dela. Mas hoje foi a primeira vez que ela as ouviu.
Eu me sentei na beira da cama dela por um tempo, antes de dizer essas palavras. Para dizer a verdade, eu não queria pronunciá-las. Eu não queria acordá-la. Uma hesitação esquisita pairou sobre mim enquanto eu me sentava na escuridão da manhã. Eu fiquei em silêncio. Eu sabia que minhas palavras a acordaria para um novo mundo.
Durante quatro rápidos anos ela havia sido nossa, só nossa. E agora tudo iria mudar.
Nós a colocamos na cama ontem à noite como “nossa menina”- propriedade exclusiva de Mamãe e Papai. Mamãe e Papai liam para ela, ensinavam-na, escutavam-na. Mas a partir de hoje, outra pessoa faria isso também.
Até hoje eram Mamãe e Papai que enxugavam suas lágrimas e colocavam Band-Aids. Mas a partir de hoje, outra pessoa também o faria.
Eu não queria acordá-la.
Até hoje, a vida dela era essencialmente limitada a nós – Mamãe, Papai e a irmãzinha Andrea. Hoje aquela vida cresceria – novos amigos, uma professora. O mundo dela estava nessa casa – o quarto dela, seus brinquedos, seu balanço. Hoje seu mundo expandiria. Ela ia entrar nos corredores sinuosos da Educação – pintura, leitura, cálculos…sendo transformada.
Eu não queria acordá-la. Não por causa da escola. É uma boa escola. Não porque eu não queira que ela aprenda. Deus sabe que eu quero que ela cresça, leia, amadureça. Não porque ela não queira ir. Durante esta semana ela só falou da escola!
Não. Eu não queria acordá-la porque eu não queria abrir mão dela.
Mas mesmo assim eu a acordei. Eu interrompi sua infância com a inevitável proclamação “Jenna, acorde!… Está na hora de ir à escola!”
Eu demorei demais pra me arrumar. Denalyn me viu cabisbaixo, e me ouviu sussurrando “O sol nasce e o sol de põe”, e disse, “Você não vai agüentar passar pelo casamento dela.” Ela está certa.
Dirigimos para a escola em dois carros para que de lá eu pudesse ir direto para o trabalho. Eu pedi a Jenna para ir comigo. Eu achei que deveria dar a ela um pouco de segurança de pai. Mas na verdade era eu quem estava precisando de segurança.
Apesar de ser alguém que se dedica a trabalhar com palavras, eu consegui muito poucas para compartilhar com ela. Eu disse a ela que esperava que ela gostasse da escola. Disse-lhe para obedecer à professora. Eu disse, “se você se sentir sozinha ou com medo, diga à professora para ligar para mim e eu virei e lhe pegarei.” “Tá bom!”, ela sorriu. Então ela perguntou se poderia ouvir escutar umas músicas infantis. “Tá bom!” Eu respondi.
Daí, enquanto ela cantava canções, eu prendia o choro. Eu a observei enquanto cantava. Ela parecia grande. Seu pequeno pescoço se esticava o máximo que podia para ver por cima do painel do carro. Seus olhos estavam famintos e brilhantes. Suas mãos estavam juntas no colo. Seus pés tinham tênis cor de rosa com turquesa, novinhos em folha, que mal ultrapassavam o assento do carro.
“Denalyn estava certa,” eu resmunguei para mim mesmo. “Eu não agüentarei passar pelo casamento dela.”
O que está se passando na cabeça dela? Eu imaginei. Será que ela sabe o quão alta é essa escada da Educação que ela vai começar a subir hoje de manhã?
Não, ela não sabe! Mas eu sabia. Quantos quadros de salas de aula aqueles olhos verão? Quantos livros as suas mãos segurarão? Quantos professores os seus pés seguirão e – ai! – imitarão?
Se eu tivesse poder, eu reuniria no mesmo instante todos os professores, instrutores, técnicos e tutores que ela teria nos próximos dezoito anos e anunciaria, “Esta não é uma estudante comum. É minha filha. Tenham cuidado com ela!”
Ao estacionar e desligar o motor do carro, minha grande filha se tornou pequena de novo. E foi a voz de uma menina muito pequena que quebrou o silêncio. “Pai, eu não quero sair do carro.”
Eu olhei para ela. Os olhos que antes estavam brilhantes agora pareciam amedrontados. Os lábios que haviam cantado agora estavam trêmulos.
Eu lutei contra um desejo extraordinário de atender ao seu pedido. Tudo em mim queria dizer “Tá bom, vamos deixar isso pra lá e vamos embora daqui!” Por um breve momento eu considerei a possibilidade de seqüestrar minhas filhas, pegar minha esposa e fugir das garras horríveis do progresso para viver para sempre no Himalaia.
Mas eu sabia que era errado. Eu sabia que era hora. Eu sabia o que era certo e que ela ficaria bem. Mas eu não sabia que seria tão difícil dizer, “Querida, você estará bem. Venha, eu lhe levo.”
E foi tudo bem. Um passo dentro da sala de aula e o gato da curiosidade tomou conta dela. E eu saí. Eu abri mão dela. Não tanto. E não tanto quanto eu terei que fazê-lo no futuro. Mas eu abri mão do quanto eu podia hoje.
Enquanto andava de volta para minha caminhonete, um versículo bateu na minha cabeça. Foi uma passagem que eu havia estudado antes. Os eventos de hoje levaram o versículo da teologia em preto e branco para a colorida realidade.
“Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós – como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?” (Romanos 8.31-32)
Foi assim que você se sentiu, Deus? O que eu senti hoje de manhã pareceu em alguma coisa com o que você sentiu quando abriu mão de seu Filho?
Caso sim, explica tantas coisas. Explica a proclamação dos anjos para os pastores nos arredores de Belém. (Um pai cheio de orgulho ao anunciar o nascimento de seu filho)
Explica a voz no batismo de Jesus, “Este é meu Filho…” (Você fez o que eu queria fazer, mas não podia)
Explica a transfiguração de Moisés e Elias no topo da montanha. (Você os mandou para encorajá-lo)
Explica o quanto o seu coração deve ter doído ao ouvir a voz quebrantada de seu filho “Pai, afasta de mim este cálice.”
Eu estava deixando Jenna num ambiente seguro com uma professora compassiva, a qual estaria pronta para enxugar qualquer lágrima. Você deixou Jesus numa arena hostil com um soldado cruel, o qual deixaria as costas dele em carne viva.
Eu disse Adeus a Jenna sabendo que ela faria novos amigos, daria gargalhadas e desenharia. Você disse Adeus a Jesus sabendo que cuspiriam nele, ririam dele e o matariam.
Eu abri mão da minha filha sabendo que , se ela precisasse de mim, eu estaria ao lado dela imediatamente. Você disse Adeus ao seu filho totalmente ciente de que quando ele mais precisasse de você, quando seu grito de desespero bradasse através dos céus, você ficaria em silêncio. Os anjos, no entanto, em suas posições, não ouviriam nenhuma ordem sua. Seu filho, apesar de estar em angústia, não sentiria conforto vindo de suas mãos.
“Ele deu o seu melhor,” Paulo argumenta, “Por que duvidar do amor dele?”
Antes que o dia terminasse, eu sentei em silêncio pela Segunda vez. Desta vez, não ao lado da minha filha, mas diante de meu Pai. Desta vez não triste pelo que eu teria que dar, mas grato pelo que eu já havia recebido – prova viva de que Deus se importa.
Max Lucado